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A Europa moldará o comércio internacional?

29/02/2024 10:57



As cadeias do agronegócio, especialmente as que operam diretamente no mercado internacional, necessitarão efetuar profundos ajustes, para manter seus mercados na União Europeia

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Atuar no mercado internacional nunca foi para amadores. Entrementes, está ficando difícil até para setores altamente profissionalizados. Multiplicam-se as exigências de sustentabilidade para atuar no mercado, que começaram com as questões ambientais e que avançam também no terreno social e da governança.

No caso do agronegócio, para ter um empreendimento bem sucedido, não basta produzir, cada vez mais tem que ser sustentável e atender as regras impostas por países compradores, que estão moldando o mercado com suas exigências.

Vamos usar como exemplo algumas regras, normas ou leis que estão sendo colocadas pela União Europeia, e que se constituem em verdadeiros desafios para agentes das cadeias de qualquer setor da economia, o que inclui o agronegócio. Embora sejam exaradas pelas autoridades da União Europeia, afetarão quem produz ou opera no mercado de exportação de comodities, podendo, no futuro, transformarem-se em padrões para as relações entre os demais blocos e países.

Deforestation-free Regulation

A lei aprovada pela União Europeia em junho de 2023, e que entra em vigor no final de 2024, está sendo conhecida pela sigla EUDR. Ela impõe ausência de desmatamento, degradação da vegetação, violação de alguns princípios de direitos humanos e boa governança, em qualquer etapa da cadeia de produção, com retroatividade a dezembro de 2020.

Os setores inicialmente atingidos são soja, café, cacau, carne, madeira, óleo de palma, borracha e seus derivados como couro, chocolate, pneus, móveis, papel e celulose, entre outros. Há expectativa de que outros setores sejam adicionados no médio prazo.

A aplicação da regulação europeia nas suas importações não exime a cadeia produtiva de cumprir a legislação do país de origem do produto, embora apenas esta observância não seja suficiente. Para tanto, a lei impõe coleta de informações, que incluiu o rastreamento, geolocalização, a análise de risco e a auditoria.

A análise de risco envolve a ocorrência de desmatamento ou degradação da vegetação, o impacto negativo sobre povos indígenas, o nível de percepção da corrupção, entre outros. Se a avaliação de risco resultar em classificação “não negligenciável”, haverá necessidade de explicitação dos mecanismos de mitigação dos riscos elencados, as políticas de compliance e a submissão a auditorias independentes.

A intenção da lei pode até ser louvável, porém as consequências de sua entrada em vigor são imprevisíveis, porque os detalhes operacionais para sua aplicação ainda são muito confusos. Analistas chamam a atenção que sobrevirá uma enorme burocracia e imposição de custos apreciáveis que, fatalmente, serão incorporados ao preço dos produtos, encarecendo os alimentos. Esse fato tem gerado muitas críticas e oposição de diversos setores, dentro da própria União Europeia, apesar de a lei apontar para a imposição de barreiras comerciais a países que exportam para a Europa, como é o caso do Brasil.

O agricultor brasileiro tem plenas condições de atender essa normativa, apesar de ela desconsiderar a nossa severa legislação florestal, vez que mesmo o desmatamento legal (pela lei brasileira) será ilegal perante a legislação europeia. Lembrando sempre que o Brasil preserva mais de 60% das nossas matas nativas – mas isto não tem qualquer importância perante a normativa.

Para atender a nova legislação, o crescimento da produção agrícola brasileira deverá ocorrer com o agricultor valendo-se de aumentos sustentáveis de produtividade, utilização da mesma área para duas ou três safras, reincorporação de áreas degradadas, aproveitamento de áreas liberadas de pastagens, integração lavoura-pecuária, entre outros meios que não impliquem em desmatamento.

Imposto do carbono

Trata-se de um imposto para quantificar e precificar as emissões dos produtos que são importados pelos países membros da UE. Está sendo conhecido pela sigla CBAM (Carbon Border Adjustement Mechanism).

A primeira fase, chamada de transitória, começou em outubro de 2023 e vai até o final de 2025. Durante esse período, as empresas terão que informar as emissões embutidas em suas importações sujeitas ao mecanismo, sem, no entanto, pagar contrapartida financeira. O objetivo é ajustar a metodologia de cobrança, que passará a vigir a partir de 2026, quando os importadores precisarão declarar, anualmente, a quantidade de bens importados para a UE no ano anterior e as emissões incorporadas.

O pagamento das emissões incorridas na fabricação do produto será efetuado em certificados CBAM, que terão o preço calculado a partir do valor das licenças do mercado de carbono europeu (veja pormenores em epbr.com.br/assunto/eu-ets/), expressos em euros por tonelada de gás carbônico equivalente.

O CBAM será aplicado inicialmente às importações de alguns produtos, cuja produção é intensiva em carbono e com risco mais significativo de vazamento de carbono, como cimento, ferro e aço, alumínio, fertilizantes, eletricidade e hidrogênio. No entanto, está prevista uma revisão do funcionamento do CBAM durante sua fase transitória, com a possibilidade de ampliar o escopo de produtos antes de sua entrada em vigor definitiva, em 2026.

Nessa primeira fase, o agricultor pode ser afetado por perturbações no mercado de fertilizantes. Os analistas ainda discutem quais seriam os impactos efetivos nas cadeias de produção, na Europa ou entre outros países, como o CBAM afetaria a produção, a disponibilidade e o preço de fertilizantes e como isso afetaria o cumprimento das metas de emissões de cada país. Esses impactos ainda não estão claros, não sendo possível, no momento, antecipar as mudanças que advirão e o custo das mesmas para o agronegócio brasileiro.

Regulação de Due Diligence de Sustentabilidade

Conhecido pela sigla em inglês CS3D (Corporate Sustainability Due Diligence Directive), ainda se encontra em discussão na União Europeia. As informações dão conta de que seriam afetadas as empresas com faturamento acima de 150 milhões de euros, mas que atingiria empresas com faturamento de 40 milhões de euros, se metade do faturamento vier de setores de alto risco, como cadeia têxtil, agricultura, floresta, pesca, alimentos, bebidas, extração e manufatura de minerais metálicos e não metálicos (gás, petróleo, aço, material de construção, químicos e outros produtos intermediários).

As regras ainda não estão definidas, mas antecipa-se que elas abrangerão due diligence sobre fatores como biodiversidade, clima, água, direitos humanos, relações trabalhistas e similares. Caso sejam identificadas não conformidades ou impactos negativos sobre aspectos ambientais ou sociais, a legislação exigirá que a empresa defina planos concretos para correção, e será responsabilizada pelas consequências até a solução final do problema.

As informações disponíveis dão conta de alguns aspectos muito importantes que deverão estar contidos na futura regulamentação:

a)    As empresas deverão dispor de canais de reclamação e as comunidades terão cinco anos após a comprovação de impactos negativos para reclamarem compensações na Justiça;

b)    As empresas deverão adotar um plano para adequar-se à meta de aquecimento global de 1,5º. C, o que inclui a redução de emissões;

c)    Há previsões de diversas penalidades pelo descumprimento da legislação, que podem atingir até 5% do faturamento bruto da empresa, sendo as penalidades públicas e amplamente divulgadas.

Em suma, as cadeias do agronegócio, especialmente as que operam diretamente no mercado internacional, necessitarão efetuar profundos ajustes, para manter seus mercados na União Europeia. Prevê-se aumento de custos, maior complexidade na gestão corporativa e muitas dificuldades para atender a burocracia que comprove o atendimento das novas imposições comerciais.

Por Décio Luiz Gazzoni, Engenheiro Agrônomo, membro do Conselho Científico Agro Sustentável e da Academia Brasileira de Ciência Agronômica